Entrevistas
Entrevista: Keith Bildstein

Por: Willian Menq | 05 de junho de 2011
 
 

Biografia: Keith L. Bildstein é diretor da Sarkis Acopian de Ciência da Conservação no Hawk Mountain Sancturay em Orwigsburg, Pensilvânia, onde supervisiona o programa Hawk Mountain de ciência da conservação, e coordena as atividades dos alunos de pós-graduação do Santuário, estagiários internacionais e cientistas visitantes. Bildstein é bacharel em Biologia na Muhlenberg College, em Allentown, Pensilvânia, em 1972. Mestre e Ph.D. em Zoologia pela Universidade Estadual de Ohio, em Columbus, Ohio, em 1976 e 1978 respectivamente. Bildstein é autor ou co-autor de mais de 100 trabalhos em ecologia e conservação, incluindo 45 com aves de rapina.

1. Comente um pouco sobre você, onde nasceu (um esboço).
R - Nasci em Hoboken, norte da Nova Jersey - EUA, em 1950, e cresci na cidade de Secaucus, Nova Jersey, que fica há três milhas (aprox. 5 km) de Nova Iorque. Meu pai, que era um fanático por pombos, me apresentou para as aves quando eu ainda era pequeno. Eu fiquei interessado nas aves de rapina por causa dos pombos do meu pai que estavam sendo predados pelo gavião-de-cooper (Accipiter cooperii). Com nove anos, prometi ao meu pai que eu iria descobrir como ensinar seus pombos a evitar a predação por gaviões. Embora eu tenha aprendido muitas coisas sobre aves de rapina em minha carreira, ainda preciso descobrir como proteger de forma eficiente os pombos-correio dos gaviões.

2. Como surgiu seu interesse pela biologia, em particular pelas aves de rapina? Qual sua ave de rapina favorita?
R - Admiro as aves de rapina por causa de sua força, independência e sua vontade de lutar por cada refeição. Minhas aves de rapina favoritas são aquelas que venho estudando mais recentemente e que compreendo melhor. Sem ordem aparente, as minhas espécies favoritas são: mocho-dos-banhados (Asio flammeus), tartaranhão-do-norte (Circus cyaneus), quiriquiri (Falco sparverius), abutre-fouveiro (Gyps fulvus), urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus), urubu-de-cabeça-vermelha (Cathartes aura) e o caracará-estriado (Phalcoboenus australis).

3. Quais são suas principais obras (livros, artigos) realizadas?
R - Tenho escrito e editado alguns livros. Aqueles que eu mais me orgulho são: "White Ibis: Wetland wanderer" (escrito nos dias pré-raptors), "Raptor Watch: A global directory of raptor migration sites" (editado com Jorje Zalles), "Migrating raptors of the world: Their ecology and conservation" e "Raptor research and management techniques" (editado com David Bird). Meu próximo grande projeto é um livro que será intitulado de: "A natureza curiosa das aves de rapina" (em inglês "How Raptors work: the curious nature of birds of prey").

4. Você possui diversas publicações sobre a migração de aves de rapina. Há evidências de migração noturna em aves de rapina? Quais espécies do continente americano podem realizar a migração durante a noite?
R - Estou feliz por ter feito essas perguntas. Compreensão da migração noturna em aves de rapina é parte da nossa nova fronteira. Sabemos agora que falcões peregrinos (Falco peregrinus) e águias pescadoras (Pandion haliaetus), ambos migram durante a noite, incluindo migrações através de oceanos abertos. De fato, um dos falcões peregrinos rastreados por satélite que acompanhamos, viajou mais de 950 km em um período de 25 horas (noite e dia) sobre o oceano atlântico, aproveitando as correntes de ar de um ciclone tropical que havia passsado e as fortes termas sobre as águas quentes da corrente do Golfo. Adicionalmente, em outono as águias-pescadoras rastreadas por satélite foram detectadas viajando durante a noite por todo o Mar do Caribe até as Grandes Antilhas e costa norte da América do Sul, as “termas marinhas” permitem que elas ganhem altura de forma eficiente tanto de dia quanto à noite. Em outras partes do mundo, o falcão-siberiano (Falco amurensis) migra da Índia para a África Oriental através do Oceano Índico, também durante a noite, assim como o açor-chinês (Accipiter soloensis) e o gavião-de-face-cinza (Butastur indicus), que viajam de ilha em ilha do Japão para Taiwan, Filipinas e mais além. O gavião-do-levante (Accipiter brevipes) viaja durante a noite pelo deserto do Oriente Médio, e parece provável que várias outras aves de rapina migratórias de resistência considerável também viajam a noite. Os movimentos de migração noturna nas aves raptoriais são apenas um dos novos aspectos que podem ser revelados através do rastreamento por satélite e outras técnicas de estudo emergentes.

5. Qual o grupo realiza as mais longas migrações: Accipiters, Buteos ou Falcões?
R - Boa pergunta. As migrações de longa distância do gavião-de-asa-larga (Buteo platypterus) e do gavião-papa-gafanhoto (Buteo swainsoni) no ocidente, e do gavião-da-estepe (Buteo vulpinus) na Europa e África, certamente coloca os Buteonine como extraordinários migrantes de longa distância. Milhões de urubus-de-cabeça-vermelha já foram registrados migrando entre a América do Norte e Sul, o que o coloca entre os grandes migrantes também. Embora os açores (Accipiter sp) não migrem longas distâncias em muitas partes do mundo, há centenas de milhares de açores-chineses (Accipiter soloensis) que migram entre as áreas de reprodução na Península Coreana e Ilhas do Pacífico Sul, sugerindo que este Accipiter também é capaz de percorrer ativamente longas distâncias. Quando incluímos as façanhas do falcão-siberiano (Falco amurensis), falcão-de-pés-vermelhos (Falco vespertinus), falcão-ógea (Falco subbuteo) e falcão-peregrino (Falco peregrinus), fica justo dizer que são muitos os tipos de aves de rapina capazes de realizar migrações de longa distância.

6. Quais são as principais ameaças das aves de rapina migratórias do neotrópico? Que medidas devem ser tomadas para preservá-las?
R - As três grandes ameaças... perseguição direta, perda de habitat e envenenamento, continuam sendo as mais importantes ameaças das aves de rapina migratórias da região neotropical e de outras partes do mundo. Embora a perseguição direta pareça estar diminuindo na maioria das regiões da América, a perda de habitat e envenenamento continua presente em todo o ocidente, em parte devido às técnicas ultrapassadas e primitivas de muitas partes do neotropico. Monitoramento amplo e fiscalização da conservação permanecem como nossas principais armas, e isso deve ser ampliado para incluir tanto as espécies comuns como as raras. Como disse a fundadora do Hawk Montain Sanctuary, Rosalie Edge em 1933: “O momento certo de proteger uma espécie é, quando ela ainda é comum”. Nós como conservacionistas precisamos manter nosso olhar sobre essa meta agora mais do que nunca.

7. Como surgiu o Hawk Mountain Sanctuary? Onde está localizada e quais são os principais objetivos?
R - O Hawk Mountain Sanctuary foi fundado no leste da Pensilvânia em 1934, quando a conservacionista Rosalie Edge decidiu proteger as aves de rapina que migravam ao longo das Montanhas dos Apalaches no leste da Pensilvânia. Nesta época milhares de aves de rapina estavam sendo mortas em suas migrações para o sul, e o trabalho da Srª. Edge ajudou a parar com a perseguição. Hoje, o santuário com seus 1.100 ha, é visitado todo ano por mais de 70 mil observadores de aves e naturalistas. Os programas de educação ambiental do Santuário têm um alcance global via www.hawkmountain.org, e os programas de pesquisa, conservação e estágio internacional possuem os melhores ranking’s de formação e está entre os melhores esforços de conservação com aves de rapina no globo.

Hawk Mountain Sanctuary. Foto: Hawkmountain.org

8. Atualmente, quais pesquisas você esta trabalhando? Quais são suas linhas de pesquisa de maior interesse?
R - Minha pesquisa atual consiste no acompanhamento complexo da distribuição, abundância e movimentos sazonais do mais comum e generalista urubu do mundo, o urubu-de-cabeça-vermelha. Estou concentrado no urubu-de-cabeça-vermelha por várias razões. A espécie é comum em quase toda a América, e com isso é uma ave “disponível” para professores usar como exemplo de aves de rapina a seus alunos, já que é facilmente observado. O Urubu-de-cabeça-vermelha é grande o suficiente para ser acompanhado por dispositivos de telemetria via satélite, também é grande o suficiente para ser marcado com etiqueta nas asas, permitindo estudos sobre seus movimentos e ecologia ao longo de sua enorme distribuição. Na verdade, atualmente estou acompanhando as migrações reprodutivas do urubu-de-cabeça-vermelha no leste, centro e oeste da América do Norte, bem como aqueles nidificantes na região central da Argentina (mais detalhes acessem: www.vulturemovments.org). Os urubus-de-cabeça-vermelha também são altamente resistentes à toxidade de chumbo, tornando-os excelentes “bioindicadores” desta ameaça ambiental. Finalmente, o urubu-de-cabeça-vermelha é o que chamo de “espécie vencedora”, uma ave de rapina de sucesso que pode nos ensinar muito sobre o que é necessário para sobreviver em paisagens dominadas pelo homem. Também tenho desenvolvido pesquisas com o caracará-estriado (Phalcoboenus australis), uma espécie cuja população global é estimada em pelo menos 2.500 indivíduos, sendo tais populações limitadas a um punhado de ilhas na Terra do Fogo e Ilhas Malvinas. Diferentes em muitos aspectos do urubu-de-cabeça-vermelha, essa ave de rapina pouco estudada oferece oportunidades de estudos comparativos em áreas onde os dois coexistem e interagem.

9. Qual foi o evento ou momento mais marcante de sua carreira?
R - Houve muitos, mas a minha primeira visita ao Hawk Mountain Sanctuary há muitos anos atrás, também no Organbidxka Col Libre na França, e no Estreito de Gibraltar na Espanha, mais recentemente, estão no topo de minha lista. Eu poderia facilmente passar o resto da minha vida nestes centros de observação de migrações.

10. O que você diria para os jovens estudantes de biologia que desejam seguir carreira no estudo com aves de rapina?
R - Gostaria de dizer-lhes para “correr atrás”. Vivemos na “idade de ouro” no estudo da biologia das aves de rapina. Ainda há muito a ser feito nesta linha de pesquisa e novas tecnológicas estão a nossa disposição, inclusive aquelas que permitem monitoramento em grande escala das aves de rapina migratórias e não-migratórias, análises de imagens de satélite detalhadas das áreas usadas por aves de rapina, e uma base de conhecimento cada vez maior sobre muitas das espécies envolvidas, que tudo isso somado tornam a ciência moderna das aves de rapina mais emocionante do que nunca. Escolha uma questão de importância, utilize as ferramentas certas para responde-la, e trabalhe com o maior numero de colegas possível. Pode ser um trabalho pesado e demorar algum tempo ou horas, mas a recompensa pessoal e profissional valem a pena. E no fim, será melhor para as aves.

Keith L. Bildstein, Ph. D.
Sarkis Acopian Director of Conservation Science
Acopian Center for Conservation Science
Hawk Mountain Sanctuary
www.hawkmountain.org