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Corujas e seus poderes de caça
Por: Willian Menq | 26 de maio de 2013
 
 



Jacurutu (Bubo virginianus). Foto: Willian Menq

As corujas se alimentam de uma grande variedade de presas, desde besouros até gambás e peixes. No Brasil, os roedores e insetos constituem as principais presas da maioria dos diferentes tipos de corujas. Mas até onde vai a capacidade de predação das corujas? Seria possível uma coruja capturar uma presa duas, três ou até cinco vezes maior que seu próprio tamanho? Corujas podem predar outras corujas?

São questões difíceis de responder e, infelizmente, ainda há poucos estudos sobre a dieta da maioria das espécies, isso se deve principalmente a dificuldade de observação dessas aves, na maioria noturnas e florestais (Motta-Jr et al. 2006). Apresentarei neste texto alguns casos interessantes envolvendo a predação por corujas no Brasil e mundo afora.

As corujas são aves de rapina tão eficientes quanto os gaviões e falcões, desempenham o mesmo papel na natureza só que durante a noite. No nordeste da China e no extremo leste da Rússia vive uma das mais possantes corujas do globo. Com 75 cm de comprimento, pesando até 4.5kg e com uma envergadura de 1.5 metros, a bufo-pescadora-de-blakistoni (Bubo blakistoni) é a maior coruja do mundo, uma predadora poderosa que de longe pode ser confundida até mesmo com um pequeno urso. Segundo Jonathan Slagh do programa russo da Wildlife Conservation Society, a bufo-de-blakistoni é capaz de capturar um salmão adulto com duas, três ou mais vezes o seu próprio peso, às vezes agarrando uma raiz de árvore com uma das garras para ajudar a retirar o grande peixe da água (Angier 2013).


Bufo-pescadora-de-blakistoni (Bubo blakistoni).
Hokkaido, Japão. Foto:
Aleix Comas

Bufo-real (Bubo bubo). Alemanha.
Foto:
Gerhard Tauscher

Outra predadora incrível é a bufo-real (Bubo bubo), com seus 4.2kg caça desde pequenos ratos até jovens veados. Não hesita em caçar outras corujas de pequeno e médio porte e alguns gaviões. Lourenço et al. (2011) estudaram a dieta desta espécie e encontraram em seu ninho uma raposa morta, revelando que nem mesmo os mamíferos carnívoros estão livres desta predadora voraz. O trabalho de Lourenço et al. (2011) sugere que a predação da bufo-real sobre outros predadores como corujas e raposas está ligada a baixa disponibilidade das presas "comuns", como roedores e outros pequenos vertebrados. Isso justifica o nome do grupo a qual pertence, o das “corujas-águias” (Eagle Owls em inglês).

O Brasil também possui uma representante de peso, a jacurutu (Bubo virginianus), a coruja mais poderosa do Brasil e das Américas, sendo também a maior do continente com 60 cm de comprimento e peso de até 2,5 kg (Konig & Weick 2008). Segundo o naturalista Arthur Clevelant bent “Quase toda criatura viva que anda, rasteja, voa ou nada, que não sejam grandes mamíferos, é presa legítima da grande coruja jacurutu” (Lee 2006). A jacurutu é capaz de capturar presas de 2 a 3 vezes mais pesadas do ela própria (Voous 1988; Konig & Weick 2008). Apresenta uma ampla gama de presas, com mais de 250 espécies identificadas. Essa possante coruja caça mamíferos relativamente grandes como lebres, coelhos, roedores, esquilos, martas, guaxinis, gambás, tatus, ratazanas e até porcos-espinhos. Na América do Norte há registros da jacurutu predando pequenos cães e gatos. Há também diversos relatos desta coruja predando outras aves de rapina, praticamente todas corujas de até seu tamanho podem ser vítimas, gaviões (Buteo spp), patos, cisnes e gaivotas também. Dentre os répteis, tartarugas e até pequenos jacarés são predados (Voous 1988; Konig & Weick 2008).

Nas densas florestas brasileiras a murucututu (Pulsatrix perspicillata) também se destaca, possui em média 48 cm de comprimento e pesa até 900g. Um estudo realizado na América Central encontrou evidências do ataque da murucututu contra um bicho-preguiça (Bradypus variegatus) (Voirin et al. 2009). O estudo liderado por James Bryson Voirin encontrou um cadáver da preguiça-comum com cinco perfurações bem visíveis pelo corpo. Através da disposição das marcas foi possível concluir que as perfurações foram feitas por uma grande coruja e análises forenses apontaram que o predador tenha sido a murucututu. O cadáver estava próximo à árvore e apresentava fezes no reto e próximo do mesmo, indicando que a preguiça foi predada quando descia até o solo para defecar. A murucututu é normalmente conhecida por predar roedores e outros pequenos vertebrados com até a metade de seu peso. Esse é o primeiro registro de uma coruja neotropical predando uma presa tão grande como uma preguiça (que pode pesar até 6 kg), é também a maior presa já relatada na dieta da espécie.  Porém, há outros relatos impressionantes desta coruja predando cutias (Dasyprocta sp. peso até 4kg) e gambás (Didelphis sp) de até 2kg (Gómez de Silva et al. 1997;. Johnsgard, 2002). Outro caso de corujas predando mamíferos arborícolas está na Austrália onde registraram a coruja-poderosa (Ninox strenua), que pesa até 1,7kg, predar um coala (Phascolarctos cinereus) que pesa pelo menos quatro vezes mais que a coruja (Melzer et al. 2000).


Murucututu (Pulsatrix perspicillata) adulta. Parque Zoobotânico de Belém/PA. Foto: Marcos Cruz

Detalhe das perfurações feitas por uma murucututu no estudo de Voirin et al. (2010).

Coruja-poderosa (Ninox strenua) com um pequeno mamífero. Austrália. Foto Richard J.


Experimento realizado com corujas empalhadas para verificar a predação de Bufo-real.
Foto:
Vincenzo Penteriani

Coruja-do-mato (Strix virgata) após playback, a procura do inhambuguaçu. Franca/SP
Foto: Douglas Fernando

Coruja-barrada (Strix varia) registrada em armadilha fotográfica (Minnesota, EUA) capturando um gato-doméstico.

A coruja-do-mato (Strix virgata), de porte médio (peso de 175 a 320g), é conhecida por caçar pequenos vertebrados e insetos. No interior de São Paulo um indivíduo foi registrado tentando predar um inhambuguaçu (Crypturellus obsoletus) adulto. A coruja foi atraída pelo som da ave, ficou por alguns minutos empoleirada observando a área, e ao ouvir um inhambuguaçu vocalizar voou rapidamente em direção ao bicho quase o capturando no meio da folhagem. O inhambuguaçu mede em média 30 cm de comprimento e pesa pouco mais de 350g (Davies 2002), uma ave relativamente grande para a coruja-do-mato. Toda a cena foi acompanhada pelo birdwatcher Douglas Fernando, um entusiasta observador de corujas.

Nos Estados Unidos, foi registrado um caso interessante com uma congênere da coruja-do-mato. Armadilhas fotográficas instaladas em uma área florestal de Minnesota registraram uma coruja-barrada (Strix varia) atacando um gato-doméstico (foto direita acima), uma presa até então nunca relatada na dieta da espécie (Daily Mail 2012). A foto é impressionante, mas não há informações confiáveis sobre o que ocorreu após o registro, se o felino escapou ou foi predado. A coruja-barrada é uma predadora oportunista, caça ratazanas, esquilos, coelhos, gambás, e a predação de um gato-doméstico não seria nada impossível para esta espécie.

As pequenas corujas também surpreendem. Com pouco mais de 16 cm de comprimento e 60 gramas, a pequena corujinha caburé (Glaucidium brasilianum) é uma das mais impressionantes predadoras de aves. Apesar do tamanho, ela captura presas muito maiores que ela mesma. Há registros da captura de sabiás, pombas, anus, inclusive o anu-branco (Guira guira) que tem o dobro do seu peso e tamanho. Já a corujinha-do-mato (Megascops choliba) é um pouco maior, mede de 20 a 24 cm de comprimento com peso de até 160g (Konig & Weick 2008). Há quem diga que ela só caça insetos e lagartixas. Porém, no município de Caraguatatuba/SP um indivíduo foi observado predando uma rolinha (Columbidae sp), provavelmente capturada enquanto dormia (obs. pess. Guilherme Colugnatti). Em outra oportunidade foi registrada a corujinha predando um pequeno morcego (Colugnatti, 2008). Já em Minas Gerais, a espécie foi registrada caçando uma coral-falsa (Zerbini 2012).


Caburé predando joão-de-barro (Furnarius rufus).
Foto: Fabiane Girardi

Caburé predando anu-preto (Crotophaga ani).
Foto:
Ari Fernando Raddatz

Outra coruja brasileira que merece destaque é a suindara (Tyto furcata). Ao contrário das outras citadas, a suindara não preda outras corujas tão pouco presas mais pesadas do que ela, mas é uma caçadora incrível de roedores, sendo até apelidada de "ratoeira que voa". Segundo um estudo realizado por Motta-Junior et al (2006) para um ciclo de um ano os estudiosos estimam que um casal consome entre 1720 e 3700 ratos e 2660 e 5800 insetos. Isso significa que um bando com seis casais de suindaras vivendo em uma propriedade elimine da região pelo menos 20 mil roedores por ano. Além dos roedores, a suindara pode predar pequenas cobras. Silva & Henderson (2013) reportaram a predação de uma serpente (Corallus hortulanus) por uma suindara, a serpente possuía aproximadamente um metro e foi capturada em uma plantação de arroz.

A superpredação realizada pelas corujas é um tipo de interação fundamental na natureza. Podemos imaginar que essa interação é benéfica apenas para as corujas, mas sob o ponto de vista ecológico ela é importante para regular a densidade populacional tanto de presas quanto de outros predadores. Assim, as corujas regulam a população de roedores, cobras, aranhas, escorpiões e até de outros carnívoros. Estudos sobre a dieta das corujas são importantes, pois ajudam a compreender a relação predador-presa, podendo servir de auxilio nas estratégias de conservação.

 

Referências:

Angier, N. (2013) "The Owl Comes Into Its Owl". The New York Times. Published: February 25, 2013 . Disponível em < http://www.nytimes.com/2013/02/26/science/long-cloaked-in-mystery-owls-start-coming-into-full-view.html?pagewanted=all&_r=0 > Acesso: 24 de Maio de 2013.

Colugnatti, G. (2008). [WA729283, Megascops choliba (Vieillot, 1817)]. Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: <http://www.wikiaves.com/729283> Acesso em: 24 Mai 2013.

Daily Mail Reporter (2012). Pictured: The astonishing moment an owl snatched up a full-grown cat for a 'light' meal. Disponível em: < http://www.dailymail.co.uk/news/article-2224445/Pictured-The-astonishing-moment-barred-owl-snatched-domestic-cat-meal.html> Acesso: 24 de maio de 2013.

Davies, S. J. J.F. (2002) Ratites and Tinamous (Bird Families of the World). Oxford University Press, EUA.

Gómez de Silva, H.; Pérez-Villafaña, M. & Santos Moreno, J. A. (1997) Diet of the spectacled owl (Pulsatrix perspicillata) during the rainy season in Northern Oaxaca, Mexico. J. Raptor Res. 31: 387–389.

Johnsgard, P. A. (2002) North American Owls: Biology and Natural History. Smithsonian Institution Press, Washington, DC.

König, C. & F. Weick. (2008) Owls. A guide to the owls of the world. 2nd. ed. Christopher Helm

Lee, C. (2006). "Powerful feet and talons help birds of prey make their living" . Lubbock Avalanche-Journal . Publicado em 26/03/06. Disponível em < http://lubbockonline.com/stories/032606/gue_032606062.shtml> Acesso em 24 de maio de 2013.

Lourenço, R.; Santos, S. M.; Rabaça, J. E. & V. Penteriani (2011). Superpredation patterns in four large European raptors. Popul Ecol 53:175–185.

Melzer, A., Carrick, F., Menkhorst, P., Lunney, D. & St. John, B. (2000) Overview, critical assessment, and conservation implications of koala distribution and abundance. Cons. Biol. 14(3): 619–628.

Motta-Junior, J. C.; Bueno, A. A.; Braga, A. C. R. (2006) Corujas Brasileiras. Departamento de Ecologia, Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. Link: < http://www.ib.usp.br/labecoaves/PDFs/pdf30CorujasIBC.pdf > Acesso em Maio de 2013

Voirin, J. B.; Kays S.; Lowman, M. D.; Wikelski, M. (2009) Evidence for Three-Toed Sloth (Bradypus variegatus) predation by Spectacled Owl (Pulsatrix perspicillata). Edentata 8-10: 15-20.

Voous, K. H. 1988. "Owls of the Northern Hemisphere". The MIT Press

Zerbini, L. O. (2012). [WA741091, Megascops choliba (Vieillot, 1817)]. Wiki Aves - A Enciclopédia das Aves do Brasil. Disponível em: <http://www.wikiaves.com/741091> Acesso em: 24 Mai 2013.

 


Citação recomendada:

Menq, W. (2013) Corujas e seus poderes de caça - Aves de Rapina Brasil. Disponível em: < http://www.avesderapinabrasil.com/arquivo/artigos/Corujas_poderes-de-caca.pdf > Acesso em: .



 



 
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